Nem parece que passaram pouco mais de três meses completos desde os alvores de 2024. O primeiro terço do ano dava para encher o carrinho de vários anos. Dezanove álbuns e um EP bons ou muito bons só apanham desprevenido quem chegou tarde a ontem mas não podem deixar de causar espanto para a dimensão deste rectângulo e ilhas. Se há circuito para todos, é outra questão que ficará para crónica futura. Para já, celebremos a música e o ânimo transmitido todos os dias.
Rafael Toral - Spectral Evolution
Música de um tempo ausente para um lugar que não existe. Desformatada, singular e utópica - livre como já nos esquecemos de ser. Mas o outro lado existe e é possível. O regresso de Rafael Toral é um poema sónico. Uma pequena maravilha. Crítica completa
Ana Lua Caiano - Vou Ficar Neste Quadrado
No álbum de estreia, Ana Lua Caiano é tanto como julgávamos e mais do que pensávamos. Na trilogia entre a poética do real, cenografia musical e estética visual, a ciência avança mas a mão na mão é humana. Vou Ficar Neste Quadrado é um feliz paradoxo entre a realizadora fechada numa bolha a criar o filme e a actriz a escapar entre as arestas do quadrado. Crítica completa e entrevista
Silly - Miguela
As cançōes florescem como plantas de interior, serenas e harmoniosas. Involuntariamente e sem conflito, Miguela perde a exclusividade autobiográfica e transforma-se em contraditório da actualidade no seu ritmo contemplativo. Um eco imenso dos Açores onde nasceu, e do Alentejo onde cresceu. Entrevista
Emmy Curl - Pastoral
Emmy Curl não exprime apenas uma relação antiga com a tradição. Confessa-a a partir de uma região: Trás-os-Montes de onde é natural. É um disco soberbo, de intensa e apaixonada exploração da cultura pagã, transmitida através da oralidade, a partir da sincronia com os sintetizadores e alguns instrumentos analógicos. Emmy Curl faz de Pastoral a efabulação de um imaginário inocente e autenticado.
Evaya - Abaixo Das Raízes Deste Jardim
Identidade pop transgressiva, domínio da maquinaria, alma humana, causas bem defendidas e uma identidade maior que a soma de virtudes. “É que hoje acontece uma grande festa dentro de mim”. Evaya merece.
Aldina Duarte - Metade-Metade
Metade-Metade é arregalado pela poesia vulnerável de Capicua, perfeita para a voz sofrida de Aldina Duarte. Um disco fabuloso de fado tradicional nas fundaçōes mas moderno nas preocupaçōes, como na sublime Araucária, uma declaração ao saber ancestral. As árvores não falam mas têm muito para ensinar. Na tradução da tradição, a harpa transforma sem romper. Em A Dúvida o arrepio é bem-vindo.
Cara de Espelho - Cara de Espelho
"Pessoal na casa dos quarenta e muitos" que se juntou para ir "contra o ciclo que nós sentimos", explica o autor das cançōes Pedro da Silva Martins. "Isso é ir contra a corrente (...) E é também uma resposta a esse necessidade de intervir. De estarmos artisticamente activos com coisas para dizer e sentir necessidade de as dizer agora." Entrevista
Tiago Sousa - Organic Music Tapes Vol. 3
O terceiro volume da série Organic Music Tapes descreve a evolução da linguagem, motivada pelas técnicas de composição do minimalismo americano de Terry Riley, Steve Reich ou Philip Glass. Que nunca é apenas estética mas também ética. “O orgânico, é uma das formas possíveis de edificação do mundo (…) Aquela que deu forma aos rios, aos veios da madeira ou a fibra dos músculos”, exemplifica. Entrevista
Mura e Stereossauro - Adamas
Rap veterano, da melhor escola liricista com a gula dinâmica e ágil de Mura, e produção certeira de Stereossauro. Um álbum de rap clássico candidato a ser clássico do rap não-algorítmico.
Vitorino - Não Sei do Que é Que se Trata Mas Não Concordo
Talvez a contra-indicação mais correcta de Não Sei do Que É Que Se Trata, Mas Não Concordo não seja ouvi-lo de coração de mãos mas antes apreciá-lo sem preconceito de idade. Antes pelo contrário, Vitorino verte o saber acumulado e o sabor da poesia num disco delicioso de tangos, boleros, blues e cordas cinematográficas. E com que voz canta a lucidez, insubmissão, e fantasia dos versos de Lobo Antunes, Miguel Torga e Florbela Espanca.
DJ Nigga Fox - Chá Preto
A Princípe como a conhecíamos está lentamente a reformular-se, através da mutação rítmica dos seus actores. Chá Preto pode muito bem ser a bebida suave depois de dez anos de Nigga Fox a 140 BPM. Previne o envelhecimento e expande o dia para além da madrugada. O suor do clube é agora a memória de uma camisola transpirada no cesto da roupa, mas o rescaldo ainda tem o corpo ligado a um beat de juke.
Capitão Fausto - Subida Infinita
O tempo dos Capitão Fausto é uma cassete rebobinada. Subida Infinita fala como sempre sobre o ciclo de vida. Repousa a vertigem em cançōes que podiam sair das fitas da The Band com muito Brasil setentista a forrar a ascenção e a queda no real. Um álbum feito por adultos na sala.
Leonor Baldaque - A Few Dates of Love
Bela surpresa. Na capa, vislumbramos o fantasma de Lana Del Rey mas A Few Dates of Love encapsula outras vozes como a de Laura Marling e paixōes como a literatura e o cinema (Leonor Baldaque trabalhou como actriz de Manuel D’Oliveira). Um disco de romantismo folk assinado por alguém a renascer dentro das cançōes.
Mazarin - Pendular
Finalmente, a estreia em formato longo dos Mazarin. Um álbum animador para a necessidade de o jazz português descer do pedestal e perder as noçōes de classe. Pendular está bem encaminhado na busca por uma identidade.
DJ Kolt - Verdadeiro
Micro Audio Waves - Glimmer
Club Makumba - Sulitânea Beat
Gabriel Ferrandini & Ricardo Toscano - Unpredictable Sessions
Normal Nada The Krakmaxter - Tubo de Ensaio
800 Gondomar - São Gunão