Música como a de Rafael Toral costuma ser tratada como um Rolex de pulso: cara e inacessível. Em Spectral Evolution, acontece o oposto. O corpo de trabalho é fruto de uma curiosidade permanente e de uma insatisfação auto-crítica. Procura derivas, novas trajectórias, uma luz que ilumine o entusiasmo e possa contagiar, sem seguir necessariamente convençōes ou normas.
Spectral Evolution é um poema sónico. Um passeio na floresta de quem vive dentro dos sons e os deixa ser parte do silêncio em paz, harmonia e coexistência. “Viver na cidade torna relativamente difícil compreender que somos natureza. É muito comum as pessoas dizerem que anseiam por estar com a natureza, mas nós somos a natureza - não estamos separados”, explicava em conversa com Joshua Minsoo Kim.
É natural. Há cerca de uma década, Rafael Toral abdicou de ser um homem da cidade. Vive numa serra a cerca de uma hora de Coimbra, onde plantou um jardim, faz compostagem e montou o seu estúdio. Nele, pensamento e prática são indissociáveis. Spectral Evolution é habitado por árvores, plantas e animais. Um campo de possibilidades criativas, provavelmente impossível de perscrutar na paisagem metropolitana. A distância para o ruído é a proximidade com um silêncio activo e atento, de pausa, absorção e compreensão.
A objecção é intrínseca a quem se desvia dos padrōes de vida das sociedades ocidentais mas Spectral Evolution é envolvido por uma luz física e espiritual de fascínio e revelação. Música de um tempo ausente para um lugar que não existe. Desformatada, singular e utópica - livre como já nos esquecemos de ser. Mas o outro lado existe, é possível e não precisas de lugares-comuns new age.
Spectral Evolution reata a simbiose com a guitarra, arrumada em Violence of Discovery…, de 2005, não como sequela mas antes como instinto primário a actuar. Sinfonia natural de 47 minutos, é um acto contínuo de técnicas, texturas e drones. Uma obra de grande concentração, rigor e detalhe, enamorada pelo jazz.
Rafael Toral contava na entrevista referida a paixão desde os dez anos por Billie Holiday. O jazz enquanto mantra de liberdade, espaço e autonomia, como um convite a um escapismo não alheado. Um universo paralelo, criado a partir da devolução do tempo e do espaço. Da luz da possibilidade e da metafísica da transcendência. Uma pequena maravilha. (Ed. Moikai)
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