Desde o princípio das redes sociais que há pessoas a deixar o ecossistema digital por variados motivos: auto-estima, ansiedade, adição e cansaço; ou porque casaram, entraram numa relação ou separaram-se. Até agora, e já passaram mais de 15 anos desde que Facebook e Twitter explodiram como objecto de uso diário, essa reacção partia do foro individual. O que há de novo nos últimos tempos é a saída definitiva, ou a renúncia às redes de maior tráfego (Instagram, x e Facebook) e migração para plataformas mais democráticas como o Bluesky ou o Substack, reflectir um posicionamento político anti-Musk, anti-Meta, ou ambos. Pode não se tratar de um fenómeno massificado mas tem o impacto necessário para ser considerado um facto porque parte de uma reactividade consciente entre camadas influentes e educadas, com potencial de propagação rápida ou não fossem as redes um gatilho.
Claro que um passeio higiénico ou uma volta ao mundo em balão não tiram o elefante da sala - a fome do broligarquismo e a falta de controlo alimentar do conteúdo - mas às vezes não é preciso passar por Roma para chegar a Alvalade. Basta fazermo-nos as perguntas básicas. Estar nas redes sociais é obrigatório por lei? Um imposto? Um mandamento religioso? Uma faixa única de rodagem? Estas questōes já estão tão apartadas das regiōes cerebrais que ressoam como um dialecto ancestral. As redes tornaram-se culturais, instintivas e físicas. O scroll está para a vida digital como a famosa mecânica repetitiva de aparafusamento de Charlie Chaplin no clássico Os Tempos Modernos, de 1936, sobre a exploração do capitalismo industrial e, então como agora, sobre a relação tóxica entre homem e máquina. São opressivas mas não inevitáveis.
Podemos complexificar o problema com argumentação académica sobre as relações de propriedade e intersecção entre espaço privado e público, sem chegar a conclusōes evidentes, ou reduzi-lo à razão de ser. Almoçávamos num restaurante onde os pratos viessem sujos? Convidávamos um amigo ou amiga para conversar num lugar onde todos gritam por um quinhão de atenção? Estar não é uma obrigação. Sair é uma opção. E ninguém morre por isso. Se estas questōes geram um efeito de negação, deve-se apenas a um motivo. As redes sociais criaram uma relação de vício semelhante à de um toxicodependente com a droga.
Em todo o caso, os sinais de deserção evidenciam um estado de saturação colectiva, à espera de ser correspondido em actos. Que já não é novo, mas há muito testa a democracia como o melhor de todos os sistemas imperfeitos, nos isola uns dos outros, apesar de nunca termos estado tão próximos, alimenta percepçōes de um grande mundo cada vez mais ínfimo, divisivo e interdito à diferença, e molda uma plasticidade mental refém de estímulos imediatos mas indigesta a informação com mais de dois dedos de leitura. A Universidade de Oxford nomeou brain rot (apodrecimento cerebral em tradução livre) a expressão de 2024. Este artigo do Guardian explica o significado e as consequências deste estado através de estudos comportamentais.
Este movimento de ruptura não parece incomodar Musk ou Zuckerberg, mas reflecte a necessidade de examinar, ponderar e objectar uma oligarquia digital que manipulou e se deixou manipular pela política para ganhar a sua quota de poder indisputado. Desconfigurar a democracia para impor uma ditadura neo-liberal, em que poucos controlam quase todos os factores, como o poder, a informação e o pensamento, só pode deixar-nos em estado de alerta vermelho. Sim, já é tarde para rejeitar o sistema que os governos não conseguiram regular - em 2025 a UE acordou para a necessidade de arbitrar o jogo, ainda assim propondo entregar o controlo do conteúdo às plataformas, ou seja, acredita tratar-se de uma partida de infantis - mas se não tomarmos decisōes responsáveis sobre onde queremos estar, como e com quem queremos falar, alguém o fará por nós. Porque as redes não são meros veículos e a forma como são reguladas por algoritmos sobre os quais quase nada sabemos passou de todos os limites no condicionamento e manipulação da mensagem.
Estarão estes magnatas preparados para lidar com uma debandada dos seus oligopólios de controlo da informação? Como reagiriam perante uma provocação à ordem instituída? Não há que ter medo ou vergonha de rescindir o contrato. Muito provavelmente, esta vai ser a contra-cultura dos próximos ano e só o simples acto de confrontar o que é implacável tem uma carga política semelhante a sair à rua para nos manifestarmos. Ninguém pode impedi-lo e é bom não esquecer isso. A desculpa histórica de que as redes dão voz aos silenciados faz cada vez menos sentido para a tríade Instagram, Facebook e x, e é de desconfiar em relação o TikTok, porque o próprio suporte é a primeiro estorvo à liberdade de expressão.
Aceitámos ser seguidores de uma crença sem interpelar o quê e como estávamos a seguir. Agora, a teoria não chega para mudar. A prática é necessária. No final dos anos 00, Facebook e Twitter explodiram numa forma próxima da final. Tal como o Instagram, democratizaram-se num pestanejar por se apresentarem como modelos definitivos. É improvável que o efeito se repita, até porque estas Américas e Chinas já existem. As alternativas dificilmente serão centristas mas isso até pode ser uma vantagem na proposição de modelos experimentais, livres e transparentes - tudo o que os principais não são. Mas precisarão de tempo para incubar, testar e falhar, até vingar. Com sorte, estamos a entrar num período de reformulação.
Nos últimos anos, a interdependência entre criação e comunicação caiu no lodo. Ao aceitar ser uma indústria de criação de conteúdos, a indústria musical acabaria por pagar o preço de não proteger a sua mina. Os gigantes editoriais e do sector da música ao vivo até podem não sofrer directamente as consequências, mas a reciprocidade do sector precisa dos pequenos produtores para alimentar as grandes superfícies. O peso da comunicação abastardou o processo criativo e tornou mais estreito o canal para quem rejeita o papel químico.
Uma publicação recente de James Blake expōe a relação perversa e intrincada entre indústria, redes e plataformas, e aponta alternativas ao modelo das multinacionais com uma transparência incomum ilustrada com números e passos a dar. Claro que Blake não se trata de um independente qualquer, tal como os Radiohead quando editaram In Rainbows com a opção de download gratuito, tinham anos de investimento da indústria a suportá-los. Em Portugal, Capicua escolheu o Substack para estrear o single Making Teenage Ana Proud. Precisamos destes estímulos para desmontar a falsa crença de que há um só caminho. Podemos sair deste pântano se aceitarmos que temos os pés na lama.
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Saí do twitter e facebook no inicio do ano. Do instagram apaguei a app no telemovel mas infelizmente nao posso bater difinitivamente com a porta. Muito do meu trabalho ainda acontece ali. No entanto nao planeio voltar a postar por lá… a nao ser talvez para dizer que vim embora para aqui (se me decidir a tornar isto um sitio em que publico algo regularmente).
As redes sociais trouxeram-me muitas coisas boas principalmente quando resolvi vir para o outro lado do mundo… a proximidade que foram criando entre amigos e familia que estavam a meio globo de distância foi muitas vezes reconfortante. Em determinado momento também descobri muita música, leitura, fotografia e arte no geral, no instagram. Nos ultimos tempos, no entanto, e mesmo antes de os broligarcas, donos das redes, se assumirem tao abertamente como isso mesmo, o instagram e o X tornaram-se espaços que já sentia hostis… o negativo que traziam, a clara construção para a adiçao, o post como isco de raiva traziam-me pouquissimo de bom mas muita ansiedade. A eleição de Trump e o assumir de uma nova ordem mundial abertamente gananciosa e sedenta não só do nosso dinheiro mas também da nossa atenção e consternação foram a gota de água.
Estou segura que conseguimos melhor.
Pertinente reflexão. Eu saí definitivamente do X e, embora não tenha eliminado mais nenhuma conta noutra rede social, tenho dado por mim cada vez mais aqui em vez de em vez qualquer outra plataforma.