Lena D’Água ri muito, ri alto, ri desalmadamente, ri quase sempre depois dos pontos finais. Porque os dias começam a contar-se a partir do fim mas a gargalhada é automática para uma mulher bem resolvida com o passado e sedenta da canção por fazer. Felizmente, a pop não é como os iogurtes.
Sem amargura, fez a sua travessia. Deixou Lisboa e foi viver para o meio das abelhas. O Hipocampo não é eufemismo. Passou de moda mas não expirou o prazo de validade. Distanciou-se mas não renunciou. Redescoberta e reencontrada, deu-se ao risco de recomeçar entre indies e cowboys enquanto aguardava por uma nova oportunidade de cantar a sua história.
Em 2019, Desalmadamente oxigenou uma segunda juventude sem maniqueísmos, desembaraçada de pesos torturantes mas consciente da memória. Só o espelho envelheceu na nova Lena D’Água de sempre.
Nas mãos de biógrafo de Pedro da Silva Martins, entrega-se de novo à erva daninha em Tropical Glaciar. Queres pop? Toma um disco fresco como uma alface, lubrificado com energia verde, Fruta Feia e Carne Vegan. Nuclear Não, Obrigado, profetizava na canção escrita pelo amado Luís Pedro Fonseca em 1982. Mais de quarenta anos depois, eis Lena D’Água sem pressa de chegar mas com urgência de viver.
O Desalmadamente foi a grande festa da segunda juventude?
Acho que sim. O encontro com o Pedro da Silva Martins foi uma delícia. Ele ouviu-me cantar a capella numa festa do Fernando Alvim, um ano antes de me telefonar. Isto foi em 2015 no Fontória. Eu cantei o A Culpa é da Vontade do António Variaçōes. Nessa noite, ela diz-me: “ainda vou escrever para ti”. Esperei, esperei, esperei e passou-se mais de um ano, até que ele me telefona com um convite para o Festival da Canção, em que ele ia participar como autor. Disse logo que sim. Já o conhecia como compositor de tantas cançōes fantásticas, nos Deolinda e com cantores como o Zambujo e a Ana Moura. Foi assim que tudo começou. Achei graça porque nunca tinha sido convidada para o Festival da Canção, à parte ter feito coros com os Gemini no Dai-li-dou em 78. Ganhámos e fomos a Paris. Em 80, também fui porque a Adelaide Ferreira não quis interpretar aquela canção do Paulo de Carvalho (Olá, Cega Rega) mas não passei à final. Já tinha dois anos de Beatnicks, de maneira que me vesti de catequista. Foi emocionante mas a Simone de Oliveira votou contra e a canção também não era grande coisa. Quando o Pedro me convidou, disse-lhe: “vou contigo para qualquer lado”.
O Pedro teve a capacidade de ler a tua história e escrever cançōes biográficas. Como é o processo de trabalho com ele?
Ele escreve, compōe e depois mostra-me. Já foi assim no Desalmadamente. Na altura, ainda estava tudo muito cru. Aquela banda foi escolhida porque eles me tinham escolhido. Tanto They’re Heading West como o Benjamim, tinham-me convidado para participar em concertos na Casa Independente e no CCB em 2016. Na altura, não gravou maquetas. No Tropical Glaciar, sim. Ele e o mano Luís, com o Pedro a cantar, já com algumas referências de ideias para os arranjos. Depois, fiquei em casa com as cançōes a testar tonalidades porque uma voz de homem é muito diferente. Vivi com elas quase dois anos até chegar o momento de as gravarmos. O Pedro tem uma capacidade incrível de entrar na pessoa para a qual está a escrever. Ele tem a idade da Sara, a minha filha. Conhece-me desde que nasceu e às cançōes que gravei com o Luís Pedro Fonseca desde 1980. O Pedro cresceu com isto tudo. Ainda nem devia saber bem se ia ser músico, e já me conhecia. Morávamos bastante perto. Viu-me no Mercado de Benfica mais do que uma vez. Não foi preciso fazer uma grande pesquisa, mas claro, espreitou algumas coisas no Facebook, desabafos que escrevia e daí nasceram algumas cançōes. É uma peça fundamental na minha vida e sobretudo nesta minha vida após os 60 anos. É inacreditável. Parece que estive à espera que ele se fizesse homem (gargalhada).
Quando é que te apercebeste que havia uma onda de entusiasmo à volta das tuas canções vinda de uma geração contemporânea?
A primeira banda a fazer uma versão foram os Linda Martini com o Sempre Que o Amor Me Quiser (2011). Depois, os Ciclo Preparatório fizeram o A Volta ao Mundo com a Lena d'Água com as crianças a cantar no fim. Foi emocionante. Vinha no carro, começo a ouvir e depois no final o (canta) “VENHAM DAR A VOLTA AO MUNDO com a Lena D’Água”. Coisa linda, tive que parar o carro. Não sabia que acabava assim. Há seis ou sete anos, o Manel Lourenço (Primeira Dama) liga-me um dia. Tínhamo-nos conhecido nas Damas, na Graça. Tinha ido falar sobre as mulheres na música numa tarde de imenso calor. Quando já estava para me vir embora - sempre que me despacho quero voltar para a aldeia porque aqui é que se está bem -, aparece-me um miúdo assim com o cabelo pelos ombros com o vinil do Perto de Ti (1982). Era ele. Pediu-me um autógrafo. O disco era da mãe mas ele era fã. Tinha 18 anos. Depois do autógrafo, diz-me: “ainda havemos de trabalhar juntos”. ‘Manel, mas que idade é que tu tens? Tenho 18’. Nunca mais me esqueci. Esse encontro já foi há dez anos. Uns dois ou três anos mais tarde, ele liga-me de Berlim. Ainda não havia Desalmadamente, nem disco previsto, ou concertos com banda. Ele tinha gravado o Rua das Flores que no final liga com o Perto de Ti. Até fizemos isso juntos no Eléctrico. Foi a primeira coisa que fizemos em pandemia. Ainda demos vários concertos, no Milhōes de Festa, Aleste, Primavera Sound, Bons Sons e na ZDB. Tocávamos músicas dele com a minha participação e eles fizeram arranjos para cançōes minhas, à escolha deles. Foram os menos óbvios: o Jardim Zoológico, o Papalagui e o No Fundo dos Teus Olhos d'Água, com arranjos incríveis. Não chegámos a gravar nada juntos. Só ensaios com som péssimo. Foi pena. Depois ainda houve o convite dos They’re Heading West para a Casa Independente. Foi tão bonito, também foi pena não termos gravado. Estava cheio de pessoas com filhos em lágrimas. Há certas cançōes do meu repertório que tocam muito fundo nas pessoas muito novas, que se lembram de ser crianças pequenas e ouvir aquelas músicas. Acontece muito. As pessoas da minha idade também aparecem nos concertos mas não são a maioria. Os filhos e os netos aparecem mais. A comoção é muito grande. Toca nas memórias de infância e adolescência. Os concertos são muito felizes. Gosto muito, muito, muito de poder cantar originais. Era isso que me fazia falta. E não posso esquecer a Capicua que me convidou para participar na lindíssima Último Mergulho. Não renego as cançōes antigas, aliás gosto muito de todas. Tenho um projecto de fazer o repertório dos lados B. Em seis ou sete álbuns, antes do Desalmadamente, são dezenas de cançōes. Tocamos aquelas que o público mais quer, como a Demagogia e o Sempre Que o Amor me Quiser, mas há outras incríveis que quero trazer para o presente. Eles [banda] ainda não sabem (ri-se).
Esta sucessão de episódios trouxe-te paz interior?
Sim, mas paz e agitação, porque quando percebi que finalmente ia ter cançōes novas fiquei bastante inquieta. “Pedro, então, então?!” (ri-se perdidamente). Acho que ele escreveu o Sem Pressa por causa disso. No Tropical Glaciar, não esperei tanto mas no Desalmadamente esperei, esperei até gravar. Quando gravo, estou sempre a descobrir recados do Pedro. O Sem Pressa é um deles. Com a idade a passar, a pessoa pensa cada vez mais que o tempo não é infinito. Não é como quando temos 30 anos, ou mesmo 40 ou 50, que a vida nunca mais acaba. Não, a vida acaba e é preciso fazer coisas enquanto cá estamos porque depois vêm os tributos (ri-se).
A letra do Sem Pressa fala em “flui com calma”. É o aceitar da passagem do tempo e do ritmo de vida no campo?
Sim, sem dúvida. Não sou compositora, e nunca tive essa urgência. O piano já nem está em minha casa, está com o meu vizinho que também é músico. Só senti necessidade de escrever durante anos. Até foi editado um livro de poemas, em 84. E em 2011, saiu um livro sobre o meu pai (José Águas, avançado do Benfica e da selecção) e sobre aquelas memórias todas dos anos 50 de nascer numa família em que o pai é um grande ídolo das multidōes. Sei tocar guitarra e até tenho pena de não sentir essa vontade de compor, mas letras sim. O Luís Pedro Fonseca era um génio, e ele sim compunha e fazia as letras. O Pedro da Silva Martins também. Depois, dá uns toques. Peço-lhe para trocar uma palavra ou outra. O que seria se tivesse essa vontade? Não sei…A minha filha diz que ainda vou viver mais trinta anos (ri-se).
O Sem Pressa é a sequela do Hipocampo?
(hesita) É capaz de ser um bocadinho, mas a que sinto mais próxima do Hipocampo é a Semente. E a Fruta Feia.
E a Carne Vegan?
(ri-se) Pedi ao Pedro para fazer uma ou duas letras mais a ver com a minha cena do activismo pela natureza e pelos animais. Ele arranjou maneira de fazer uma canção “malandra”. Maravilha. A Carne Vegan é uma forma ligeira e divertida de tocar num assunto importantíssimo. Se deixares de comer carne, um bife é uma banheira. Uma vaca são piscinas de água! É a primeira canção do meu repertório que fala de amor carnal mas não se fica por aí. É divertida mas aborda outros universos.
Antes da Pop Toma, houve a Lena D’Água & Rock’'n’roll Station. Como é que aconteceu?
Foi em 2010. Eu já estava no Cadaval desde 2007. Ainda não tinha descoberto um sítio mais perto da minha casa para comer um peixinho e de vez em quando ia até Peniche almoçar. Tinha recebido um convite do Hugo Israel para participar no Pop Up Lisboa 2010. Era no Nimas. Até foi ele que me disse: “inventa qualquer coisa, não faças aquilo que costumas fazer”. Estava em Peniche e liguei à minha amiga e agente Ana Moitinho. Foi ela que me falou de uns amigos de lá que tinham uma banda só com baixo, bateria e guitarra. Combinámos, encontrámo-nos, bebemos uns copos e ‘tá feito. Ensaiámos cinco ou seis cançōes e aquilo foi um êxito estrondoso. Só nos diziam para continuarmos e embalámos com aquilo. Foi muito fixe porque realmente as cançōes do Luís Pedro valem o mesmo só com uma guitarrinha ou um piano, ou com baixo, bateria e guitarra. São incríveis. Era um génio aquele homem. Foi um visionário fora do tempo. Acabámos por fazer poucos concertos. Esse disco ficou bastante bem. Ainda saiu pela Farol mas não passava na rádio nem tinha originais. Houve pouca promoção
De uma perspectiva de vestir novas roupagens, ajudou a desbloquear o Desalmadamente e o Tropical Glaciar?
Não tenho a certeza que o Pedro se tenha dado conta desse disco. Nunca falámos sobre isso. Na altura, ele ainda estava a dar voltas ao mundo com os Deolinda. Foi uma sorte minha a Ana ter decidido fazer-se à vida a solo, porque se não fosse isso não teria hipótese nenhuma. Mas realmente, este álbum sai em 2014 e o encontro com o Pedro dá-se em 2015. Hei-de lhe perguntar.
Na letra do Desalmadamente, cantas “e agora só o espelho envelhece”. O rock e a pop ainda estão estigmatizados por prazos de validade, embora se vejam pessoas mais velhas em circuitos onde historicamente era mais difícil permanecer. Há alguma mudança?
Temos tantos velhos anciãos no rock. Já nem falo dos Xutos & Pontapés, que são da minha idade. Eu sou de 56, o Reininho é mais velho e acho que o António Manuel Ribeiro também é da idade dele. E lá fora, temos uma data de dinossauros. Agora, aqui mulheres kaputt…
Entre as mulheres, essa sobrevivência é incomum.
Não existe. Há duas ou três, mas no fado. E o fado é diferente. Elas e eles sempre cantaram até…Durante cem anos ou mais, o fado não vivia da beleza física. Hoje, já não é assim. Depende mais do corpo jovem. Nada contra, mas sabemos como funciona. Os homens podem envelhecer à vontade, ficar barrigudos, e cheios de rugas que ninguém leva a mal, mas eu quero que se lixe! Só o espelho envelhece, pelo menos no meu caso. Cá dentro, a gente nunca passa dos 20 ou dos 30. No máximo dos 40. Os anos não nos permitem deixar de fazer asneiras. Continuamos a fazer asneiras, a confiar em pessoas que não são de confiança. A falar com o coração ao pé da boca e depois…aahhhhhhhh. Cá dentro, não passo de idade. O corpo sim. E o Pedro sintetizou-o nessa frase incrívelllllllllll. Nas minhas casas antes desta, havia imensos espelhos. Agora, já tenho menos (gargalhada). Estou mais velha? Sim! Estou mais pesada? Sim! Mas quando estou no palco, vês aquela alma que se mantém cá dentro e não corresponde à idade no CC.
Esse ímpeto acaba por romper com os padrōes de beleza associados à juventude.
Hum, hum. Isso da beleza é tão subjectivo. Por exemplo, o Sérgio Godinho nunca foi bonito mas já foi muito mais novo. Eu tinha uma panca por ele quando era miúda. A sério. Ele era feio mas tinha uma pinta…Isto em 74 quando o vi a primeira vez no S. Luiz. Todos sentados no chão. Às vezes, ouço: “aquele gajo é tão giro”. E depois é peito depilado, é sobrancelhas depiladas. É tão horrívellllllll, pá. Como as miúdas, coitadinhas, ainda não chegaram aos 40 anos e já têm botox - parece a boca do Joker. Por favor, não se deixem embarcar nessa porcaria. É que depois nunca mais pára. O que é que fazem quando chegarem à minha idade?! Nem quero pensar. Prefiro as minhas rugas e a minha idade assumida.
Estiveste sempre rodeada de homens na música. Era muito diferente nos anos 70 e 80?
Quando conheci o pai da minha filha [Ramiro Martins, dos Beatnicks], não sabia que ele era músico. Ele estava a reestruturar uma banda, apaixonámo-nos muito e fiquei de bebé logo ao segundo mês. Entro nos Beatnicks, como segunda vocalista, depois de a Sara nascer. Durante os ensaios, ficava lá, ainda grávida, a fazer camisolinhas. Eles só começaram a dar concertos pouco antes de a Sara nascer [no último dia de 1975]. Se não me engano, foi em dezembro. O meu primeiro concerto foi em março de 76, por isso estás a ver. Tinha ali o meu homem, o meu amor, pai da minha filha e meu marido. As bandas em geral eram unidas como famílias. Bastante fechadas, sem trocas de músicos. Isso só começa a acontecer, e assisti, no jazz, no final dos anos 90 e princípio dos 2000. E agora, nos últimos dez/quinze anos, as bandas pop/rock trocam-se todas. É lindo de ver isto tudo a acontecer. Isso não acontecia mesmo. Quando começo, estava dentro de um núcleo e quando íamos tocar, a bebé ficava com os avós - os meus pais ou os deles. Não andava à noite sozinha, ensaiávamos, dávamos concertos, voltávamos para casa e acabava o meu curso. Nunca andei sozinha nem nunca fiz playback. Só na televisão, nos programas do Júlio Isidro, mas aquilo era para divulgação. As artistas que fizeram o seu percurso através de espectáculos em playback, elas sim estavam sozinhas. Levavam tudo gravado, às vezes até a voz. Não deve ter sido nada fácil e houve várias. Eu não, estava sempre “em casa”. Na Salada de Frutas, tinha o meu namorado, o Luis Pedro Fonseca. Nunca vivemos juntos mas namorámos. Com ele, gravei jingles e depois fizemos a Salada de Frutas com o Zé da Ponte. Aquilo era uma coisa fechada. Estava num grupo, nunca estive sozinha. E a solo só é “a solo” porque depois da Banda Atlântida, em 84/85, quando o Luís Pedro saiu para produzir e dar voltas ao mundo com o Rão Kyao, já não fazia sentido [a banda]. Passou a ser Lena D’Água. A solo, mas com seis, sete ou oito músicos. A banda deixou de ter nome mas não levava uma cassete. Senti-me sempre protegida. Tenho um ou outro episódiozeco sem importância (ri-se).
…
Quando foi a Eurovisão em 78, a corista com quem fiquei no quarto era uma execrável. Fascista. Horrível! Na última noite, tinha decidido voltar para casa mas depois vesti um pano português, daqueles lenços pretos e brancos com floreados, e resolvi ir lá para cima no hotel. Havia uma ceia e quando vou a sair, no quarto ao lado, da editora, estava o Thilo Krassman, o Carlos Gomes e mais alguém. Um deles, que já morreu, ao perceber que me estava a preparar para sair, aparece à porta e diz: “queres-te divertir? Anda aqui para o quarto!” (ri-se à gargalhada). Uma coisa muito pindérica, nada de grave. Ahahahahahahaa. Nem ele estava sozinho, nem eu estava sozinha. Estava lá um actor francês a fazer um trabalho para a Eurovisão. Era um querido e lindo de morrer. Essa noite foi incrível. Tudo numa boa, nada de sexualidade. De manhã, fomos comer croissants e o actor convidou-me a vir conhecer a mulher que estava grávida de sete meses. Ela linda, ele lindo, a casa linda. Perfeitos. Devia escrever estas memórias.
Passaste algum mau bocado na época?
O que sofri foi o desdém da imprensa. O Luís Pedro nunca foi reconhecido como caso à parte que era no meio daquela cena do rock, em que havia dois ou três projectos incríveis como Sétima Legião, Heróis do Mar…Delfins e Rádio Macau também mas enfim. A conversa era sempre sobre as pernas, as minhas pernas e a mini-saia. Uma coisa mesmo estúpida e tacanha. Nós em 82 a gravarmos o Nuclear Não, Obrigado. (Recapitula a letra: Se queremos energia/Sem envenenar o ar/Temos o calor do sol/O vento e a força do mar). E era sempre duas estrelas em cinco possíveis. Só isso.
O Nuclear Não, Obrigado podia ter sido escrito agora. És a mesma mulher de causas?
Sou! Só que agora já temos a energia eólica e das ondas. As coisas vão andando devagarinho e algumas - poucas - são boas, mas continuamos a dar as desgraças e as misérias. Eu também falo por mim. Às vezes, não quero ver os políticos.
O National Geographic já foi por mais do que uma vez o programa mais visto da SIC aos domingos.
Isso é espantoso, mas não gosto muito de ver documentários de animais. Eles matam, esfacelam…não gosto. Sabes o que é tenho gostado muito de ver nos últimos anos? Snooker. Vejo no Eurosport. Já conheço uma data deles. É mágico ver os movimentos e a geometria. Fazem o que querem à [bola] branca.
Não esperava. Deixa-me arrumar o passado. O Desalmadamente e o Tropical Glaciar são uma continuação do Perto de Ti?
(pausa) De certa maneira, sim, porque o Luís Pedro escrevia para mim e o Pedro da Silva Martins escreveu nestes álbuns para mim, conhecendo a pessoa, e sabendo do meu mau feitio, da minha falta de paciência, das lágrimas e das zangas. Já passaram nove anos e ele conhece-me. Sim, o Perto de Ti foi um álbum incrível mas o Lusitânia (1984) e o Terra Prometida (1986) também. Não são tão conhecidos porque o Perto de Ti foi o primeiro, e o primeiro marca sempre, depois de ser despedida da banda dos craques (ri-se). Só que o Luís Pedro era o maior craque e disse: “Ah é? Então xau. Vou com ela”. Alguns temas daquele primeiro álbum até já tínhamos começado a ensaiar na Salada de Frutas. Pelo menos o …Olhos de Água. Até tenho um ensaio digitalizado com som horrível.
Qual é a tua banda actual?
É o Pedro e o Luís (guitarras), o [Nuno] Prata (baixo), o Sérgio [Nascimento] (bateria), o Vicente Santos (teclas) e a Catarina Falcão (coros e guitarra).
Os Cara de Espelho sem a Mitó.
Exactamente. Após um ano e tal de espera, percebemos que os meninos do Desalmadamente estavam virados para outras cenas, e não tinham interesse em trabalhar nos arranjos das cançōes do Pedro. O Benjamim já tinha dito que não ia partivipar nos arranjos porque estava a trabalhar em projectos dele. Em pequenas festas ou eventos, continuo a fazer o duo com ele. Vamos ao Funchal agora em junho. Então fiz um zoom com o meu agente [Jorge] Guerra e Paz e dois ou três dias depois surgiu a ideia. Eles estavam em estúdio com os Cara de Espelho e a dar-se bem. “O que é que achas de serem eles a tua banda?” Encantada. Já havia um quarteto com ensaios e estúdio, com uma ligação que não se consegue de um dia para o outro. Depois juntou-se o Miguel Ferreira, dos Clã, a Catarina Falcão, das Monday, a Margarida [irmã, das Golden Slumbers com Catarina Falcão] e o Hugo Menezes nas percussōes. Na fase de ensaios, o Miguel disse-me que não tinha disponibilidade, entre produçōes e uma loja que ele tem no Porto. A Catarina Falcão, além de coros, é também guitarrista. Já fizemos um concerto no mesmo dia de Cara de Espelho, com quatro substitutos. Dois deles são da banda do Desalmadamente. Foi impecável. Vamos fazer um showcase de um festival só com o Vicente e a Catarina. É o nosso plano B. Estou muito contente e desejosa de começar a escolher as cançōes para esse projecto dos lados B.
Há uns anos, o Jardim Zoológico foi reeditado em máxi-single para o circuito internacional de DJs.
Single de 83 com o Tao, do Terra Prometida, de 86, editado pela Strange Love Music da Nova Zelândia. Falei com as duas editoras - Valentim de Carvalho e acho que Sony. Que pena já ter acontecido dois anos depois da morte do Luís Pedro. Ele ia ficar tão contente e comovido. Foi incrível a reacção. Recebia mensagens do Japão. “ESTOU AQUI NUMA FESTA, ESTÁ A PASSAR A TUA MÚSICA!”. Em Londres, no Brasil, no Canadá. ‘Tá bem que foi remasterizado mas o som de 83 é incrível. Foi muito giro. Ainda troquei mensagens com uns DJs famosos que não conheço.