Não a podemos dissociar dos Sonic Youth nem esperar que a história se repita. É a mesma Kim Gordon, electrizante e magnética, sem repentes ou convites à veneração. O que o estatuto lhe dá - uma sala cheia -, é devolvido em choque eléctrico de realidade. Pouco fala ou sorri. Não precisa. Os motivos são outros. A paisagem é claustrofóbica, metalizada e industrial. Uma espessa massa sonora embala excertos do real concentrados em poucas palavras. Quem não conhece The Collective estranha os beats de trap. Lentos, repetitivos, encarvoados. Destroços de uma democracia em decomposição e de cidades a arder, gravadas nos videos de suporte ao concerto.
Kim Gordon está como o resto do mundo: vai mas não sabe para onde. The Collective não é só isso, mas também é isso. Observação e participação. Ensaiar hipóteses, sem grandes certezas. Não é bem uma cura, como se tende a vulgarizar. Quando muito, é um gigante ponto de interrogação replicado por cançōes de fúria e angústia sobre o falhanço dos sistemas operativos. Como nos pudemos encurralar assim? Foi no Capitólio, podia ser no Manicómio.
Extraordinária a coragem de uma septuagenária em renascer do caos. Kim Gordon nem se encosta à reforma, nem se parece uma avó deslumbrada do TikTok a forjar uma juventude desfasada. Nela, esse equilíbrio difícil parece natural. Em palco, só mulheres. A "rapariga da banda" agora são quatro. Não é um detalhe mas não é preciso fazer disso uma declaração universal. A música fala por ela (s). Quando chega Air BNB, do anterior No Home Record, sente-se um pequeno curto circuito. Na plateia, sugere-se uma dedicatória ao mayor Charles Coins.
O concerto segue a trajectória do álbum The Collective, brilhante na exposição da desordem natural dos tempos modernos, sem falsa moral ou despertença. Ela é parte de nós e isto é o que somos e nos tornámos. Quem tem medo do futuro não arrisca assim. Não há que ter medo de não saber. Esta música, este concerto, não tem saídas mas é uma sirene de emergência. Que seja alguém como Kim Gordon a pressionar o botão de pânico é notável.