A que vai soar 2025? A má notícia é não se vislumbrar nada de transformador no horizonte. A necessidade de respostas imediatas matou o tempo de ensaio da mudança e afunilou modelos, fórmulas e receitas. Continua a haver inúmeros caminhos mas todos parecem ir dar aos mesmos sítios, e só se cruzam no fim do processo, validados pelas consequências. O medo de estar só e de se ser insustentável matou o risco de queimar linha. Para as metamorfoses se viabilizarem, é necessário experimentar, errar, continuar a tentar até “acertar”. Margem de leitura e compreensão. Historicamente, a imprensa desempenhou um papel fundamental na descodificação e contextualização de obras e movimentos revolucionários. O esvaziamento de espírito crítico e a substituição pela tirania dos números mostra que não estão reunidas as condiçōes ideais para inventar e entender o som do futuro. Os nichos aceitaram as regras de sobrevivência da pop e a pop não tem tempo para esperar pela cozedura.
Na falta de transfiguraçōes e desprogramaçōes, vamos continuar a contar com a música como aliado de combate à crueldade. Esta depressão que nos anima diariamente tem de tudo: dor, luta, esperança, desejo, realismo e hiperrealidade. 2025 vai ser o ano da explosão da Inteligência Artificial enquanto coisa prática e inquestionada. Ninguém pode prever até onde pode ir esta revolução imparável. Com alguma fortuna, talvez venham daí os novos desconhecidos. 2025 tem futuro. Entre álbuns já confirmados, regressos suspeitados e desejos para os próximos meses, estes vinte nomes vão marcar a agenda.
Mão Morta - Viva La Muerte
Mão Morta, mão morta vai bater à porta da muerte. Que melhor maneira de inaugurar o calendário editorial português do que com o novo álbum da instituição bracarense? Pelo relógio de pulso, 17 de janeiro é a data da chegada de Viva La Muerte. O espectáculo homónimo estreia na noite seguinte no Theatro Circo, em Braga, e é apresentado a 25 de janeiro no Teatro das Figuras, em Faro, a 1 de fevereiro no Teatro Municipal de Ourém, a 26 de fevereiro na Culturgest, em Lisboa, a 1 de março no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, e a 7 de março no Teatro Aveirense. O álbum é filho de números redondos: 50 anos do 25 de abril e 40 da banda como denúncia do “ar dos tempos”, e é inspirado por figuras tutelares da música da revolução como José Afonso, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira e Ary dos Santos sem os quais os bracarenses não teriam sido possíveis. Aviso à população: o primeiro single (e vídeo) electrifica as referências mas transcende o louvor. É alerta e reacção.
Gisela João
A Morte Saiu à Rua na madrugada sem sono de Gisela João. Após ter encarnado temas e autores ligados à resistência e à liberdade no Teatro Tivoli, gravou-os para um disco a chegar ainda este mês. A alvorada de 2025 ainda respira as reminiscências da revolução. Bem precisamos de deixar para trás a bruma retardada.
A Garota Não
Ainda nada é certo. Apenas suspeitas. E informaçōes privilegiadas do desvelo de nova canções numa viagem recente a Paris. Em 2024, A Garota Não tinha toda a legitimidade para alastrar 2 de abril - um dos álbuns mais importantes da história da música portuguesa do pós-25 de abril - como luz colectiva de presença do amor e da doença. Escusou-se a capitalizar o seu momento, reservando-se a breves apariçōes e concertos ocasionais. 2025 será d’A Garota. Como não?
Femme Falafel
Talvez fruto da sobrepopulação musical e do defeito assumido de não dispor de mil olhos para seguir todos os suspeitos, alguns concursos reconquistaram importância por agirem como um filtro de partículas da algoritmificação. O efeito deve-se também a personagens como Femme Falafel, alter-nada-cego da caldense Raquel Pimpão, que não só venceu como impressionou no Termómetro em 2023. A classe reconheceu-lhe méritos e hoje é vê-la na equipa de Margarida Campelo, Lana Gasparotti e Fumo Ninja. Em 2025, chegará o álbum de estreia pela Revolve apresentado pelo Romance Feudal, “um amor campestre que transcende os limites da propriedade privada” encharcado em sintetizadores e ensaboado por flautas. Femme Falafel é isto: um complexo easy listening resolvido com pinhas na cabeça.
Tom - Uma Máquina Minha
Há um ano, Tom matava a Fome com Gula. O single imparável deixava água na boca para o álbum prometido. Depois, veio FWM com Loreta KBA e a pressão atmosférica não baixou. Na Rua, com instrumental e refrão cantado por Sam The Kid, dá a estocada final em 2024 com a garantia de que Uma Máquina Minha está a caminho. De preferência, com entrega urgente. O rap português precisa de personagens desalinhadas de um modelo funcional (apesar de competente) instituído entre os seus cabecilhas.
Phoenix RDC
Por falar em entradas deliciosas e demora no prato principal, Quando Me Chamam é o melhor single dos últimos anos no rap português de clube, produzido com as técnicas percussivas de Pharrell Williams, embora sem a marca de água e a exorbitância dos Neptures (os créditos pertencem a R.M.). Ao longo do ano, Phoenix RDC não saiu da cozinha. Chegaram Peixe Morre Pela Boca, com Kosmo Da Gun, Alzheimer, com Valete, Arem e produção de Stereossauro, e Bang Bang, com Leo 2745, e o lume continuou no máximo. Caos, com Nayr Faquirá, foi servida como taça de vinho branco. Mais canónica, Afogado em Mágoas criou expectativas mas a refeição completa não chegou à mesa. Em mensagem de Ano Novo, Phoenix RDC promete a sua “melhor versão” para 2025 e explica o adiamento. “Prefiro demorar mais do que vos dar algo pela metade”. Com “pezinhos de lã em areias movediças”, esperamos com um formigueiro nos ténis.
Bandua
Em 2022, Bernardo Lopes Addario e Edgar Valente ligaram por vias sintetizadas o folclore da Beira Baixa ao hipnotismo electrónico de Nicolas Jaar e Ricardo Villalobos. O promissor álbum de estreia ainda era uma SCUT da cidade para o campo mas percebeu-se a intenção do duo de mudar a rota e falar do coração do interior para o cinismo da cidade e não o inverso. Num mundo justo, o magnífico single Bandeiras teria vencido o Festival da Canção em 2023. No ano passado, a novidade Pena no Peito, resultante de uma residência artística em 2021 com Idalina Gameiro, trouxe a promessa de um novo álbum. Um daqueles casos em que a maturação de um léxico vai trazer crescimento de público.
Acácia Maior
Em Cimbron Celeste, o álbum inaugural dos Acácia Maior em 2023, a atracção entre Portugal e Cabo Verde ainda não era perfeita mas rebuçados como Catá Bórre ou Ólt Martim indiciavam um futuro em ponto de caramelo. Em 2024, o irresistível Fórt d'cmê Bolacha reforçou os níveis de sacarina. Aguardamos pelas novas receitas de Henrique Silva e Luis Firmino.
Conan Osiris
É desta, Tiago? Em 2018, Conan Osiris estava longe de imaginar que um objecto voador como Adoro Bolos iria revolucionar a música portuguesa. O álbum caiu como um meteoro no Bandcamp a 30 de dezembro de 2017 e instantaneamente projectou uma Lisboa subterrânea, representada por nichos identitários, na alvorada da era das causas. Conan Osiris era o extraterrestre perfeito do quarto do lado. Desassombrado, provocador, enigmático e até inexplicável, mas também espontâneo e familiar como António Variaçōes. E depois foi o que se viu. Telemóveis foi um daqueles acontecimentos extraordinários em que o direito à diferença foi legitimado como utopia possível. Com coragem e sem juízos de moral, Conan expôs-se. Não precisou de selar a testa com siglas. Bastou-lhe ser…humano. E essa autenticidade que seis anos depois de ter inventando um futuro continua a alimentar o desejo e a atenção, apesar de nos últimos anos se ter restringido a cameos com o Expresso Transatlântico, Nuno Ribeiro, Sérgio Onze e João Maia Ferreira - alguns deles inesperados. Pode esperar-se tudo menos aquilo que já vem pré-determinado.
Belle Chase Hotel
A notícia tem um ano mas só uma parte surpreendeu. Vinte cinco anos depois de se sepultarem na Fossanova, com batatas fritas em óleo de uma semana, os Belle Chase Hotel voltavam para um concerto no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra, logo no início de janeiro. Se o reencontro não era inédito, a novidade estava no anúncio da gravação de um novo álbum, no ano em que JP Simōes revisitou as vontades de José Mário Branco em estúdio e dezenas de concertos. O vocalista admitia estar a ver “o começo e não o fim do disco”. O morto já ressuscitou?
Scúru Fitchadu
Scúru Fitchadu não é pan-africanismo, é punk-africanismo. No cruzamento entre funaná, The Prodigy e rap de bairro, é suspeito identificado de causar incêndios e tumultos de apelo à descolonização de mentes, ao pensamento e à acção combativa do capitalismo e das desigualdades. Para 2025, está prometida “muita música nova” e o mau feitio de sempre. Desestabilizadores são bem-vindos.
FKA Twigs - EUSEXUA
2025 vai ser o ano da explosão definitiva da inteligência artificial. FKA Twigs sabe-o e propõe-se a explorar os limites infinitos entre corpo, máquina, desejo e dominação. O prazer transcende a fisicalidade? Faremos sexo com robôs? Fantasias alimentadas por chatbots? Softwares em posição missionária? Na mixtape Caprisongs de 2022, perdeu-se no culto das personalidades famosas. EUSEXUA devolve-a aos laboratórios pop mais avançados, onde se desenvolvem os modelos do futuro. Ed. a 24 de janeiro
Ethel Cain - Perverts
Precisamos de novos vieses pop para fugir à paralização dos poetas torturados e ao poptivismo ligeiro das batalhas sem sangue. O teatro fantasmagórico de Ethel Cain promete. A crítica do Guardian esfria a temperatura. Dia 8 já sabemos se estes Perverts são perigosos ou se escondem atrás de avatars.
Mac Miller - Balloonerism
Quanto mais dias passam sobre a morte de Mac Miller, mais a sua falta é sentida. Ficou tanto futuro por cumprir que Circles, álbum póstumo de 2020, não satisfez. Balloonerism há muito circula por fóruns de fãs e outros canais mas só agora é oficializado. A 17 de janeiro, 2014 faz-se actualidade.
Panda Bear - Sinister Grift
O americano mais lisboeta de Baltimore gravou Sinister Grift nos estúdios Campo com Josh Dibb, seu colega nos Animal Collective. O álbum até já foi apresentado em Portugal em dezembro mas só chega a 28 de fevereiro, antecedido pela translucidez de Defense. Em março, Noah Lennox volta a Portugal para concertos no Capitólio (20), Theatro Circo (21) e Teatro das Figuras (28).
Squid - Cowards
Cowards traz um single inspirado sobre canibalismo distópico e um lote de convidados ambicioso: a compositora Clarissa Connelly e o compositor e cantor Tony Njoku, Rosa Brook das Pozi, Dan Carey na consola de produtor e John McEntire (Tortoise, Sea & The Cake) na mistura. Álbum a 7 de fevereiro.
A$ap Rocky - Don’t Be Dumb
Kendrick Lamar, Tyler The Creator, Doechii, Vince Staples, JPEGMafia, Mavi, Ka…2024 foi a melhor selecção de álbuns de rap em muito tempo. Só faltou A$ap Rocky que falhou com a promessa do primeiro longa-duração desde 2018. Deixou-nos porém com Highjack, de volta à melhor forma e abrilhantada pela aura de Jessica Pratt. Don’t Be Dumb aguarda por autorização para viajar.
Ela Minus - Dia
Ela Minus tem sangue latino da Colômbia e coração berlinense. Depois de ter sido baterista de personagens como Austra e alguns EP em nome próprio, Acts of Rebellion afirmou-a com os pés na pista e a consciência política da electrónica enquanto espaço amplo de hedonismo, sim, mas também de alerta. Um grito para não mais se silenciar. O Dia nasceu com Upwards, onde sintetizadores com alma própria são cercados por flashes de tecno-punk e electroclash desmaquilhado.
More Eaze & Claire Rousay - No Floor
2024 foi fulgurante para Claire Rousay com a excursão de emo para Autotune de sentiment e a banda sonora de The Bloody Lady. Este ano não traz descanso. A 21 de março, chegará No Floor, em parelha com more eaze, com quem trabalhou em Never Stop Texting Me de 2022.
Lana Del Rey - The Right Person Will Stay
Ao décimo álbum, Lana Del Rey traz o anel de casada. A pessoa certa ficou e o produtor Jack Antonoff, cúmplice do período fértil de romancista pop representado por álbuns maiores como Norman Fucking Rockwell e Did You Know That There's a Tunnel Under Ocean Blvd. O primeiro single Harry chega um dia destes sem aviso.
Uau, bela lista e reflexão! Não conheço nenhum dos artistas portugueses, mas já tô dando “play” por aqui.