Como muitas das bandas cimentadas no pós-punk, os Psychedelic Furs não dobraram o cabo dos 90 e pereceram mas as cançōes nunca foram embora. Se em 1986, Pretty In Pink foi repescada a Talk Talk Talk (81) e regravada para a comédia romântica homónima, ganhando o direito a pensão vitalícia, a recuperação de Love My Way em Call Me By Your Name, a citação de The Ghost In You pelos Strokes e a assiduidade em Stranger This, reintroduziu-os.
Após anos na estrada, a prova vital dos Furs foi Made of Rain, um elixir da eterna juventude para os irmãos Richard e Tim Butler. Valeu a pena esperar quase trinta anos desde World Outside, o álbum pré-hiato da fantasista Until She Comes, precedente da estreia em Portugal no Coliseu dos Recreios em 1991.
É já sem o saxofone serpenteante de Mark Williams, vítima de cancro no ano passado, que se apresentam esta sexta-feira no Luna Fest em Coimbra. Por mail, Tim Butler fala sobre os enlaces entre nostalgia e presente. Para o baixista, os Furs só ganharam com o tempo.
Made of Rain foi o vosso primeiro álbum em quase 30 anos. Porque demorou tanto?
Tim Butler - Os Psychedelic Furs entraram num hiato em 1992. Nos anos 90, formei uma banda com o meu irmão (Richard Butler, vocalista) chamada Love Spit Love e dediquei-me a outros projectos. Reunimos os Furs em 2000 e conversámos sobre a hipótese de um novo álbum, mas estávamos apreensivos se estaria à altura dos anteriores. Retardámos o processo...mas continuámos a tocar ao vivo.
A intenção foi soar a uma banda actual e evitar o conforto e comodismo do passado?
Só queríamos soar a Psychedelic Furs. Não nos consideramos uma banda de um período específico.
Apesar de não terem gravado durante um longo período, a música dos Psychedelic Furs sempre esteve viva e próxima. Como explicam?
Nunca deixámos a música. Apenas não estivemos em estúdio…enquanto Furs. Continuámos a tocar ao vivo, a soar cada vez melhor e até a introduzir novas cançōes nos concertos de tempos a tempos. Nunca ficámos obsoletos. Em 2019, sentíamo-nos melhor que nunca e achámos que podia ser uma boa altura para voltar a estúdio.
A vossa música é ouvida no Stranger Things, no Call Me By Your Name, a Love My Way tem grande destaque, os Strokes citaram The Ghost In You. O vosso público regenerou-se?
Seguramente. Sempre que as nossas cançōes são expostas a público mais novo ou a alguém que não nos conheça, é bom. Todas essas coisas ajudaram a trazer caras novas à nossa base de fãs.
Nos anos 80, a crítica era muito influente e, do que percebo, os Psychedelic Furs eram bastante queridos pela imprensa. A imprensa musical perdeu grande parte da sua influência mas o Made of Rain foi bastante elogiado e até incluído em várias listas de Álbum do Ano em 2020. Ainda mexe convosco?
Nos anos 80, a imprensa era muito volátil connosco, mas o público sempre nos acarinhou. Hoje em dia, o público é capaz de influenciar muito para além dos críticos e da imprensa. E penso que isso muda de forma muito positiva facto a maneira como somos recebidos.
Qual foi a versão mais inesperada de uma canção vossa?
A Love My Way pelos Korn...que por acaso resultou muito bem.
Alguma banda de que não gostem mesmo fez uma versão vossa? Como reagir nesse caso?
Não, acho que é lisonjeiro que outros artistas gostem tanto de uma canção nossa que queiram fazer uma versão. Desde os Foo Fighters, à Annie Lennox, aos Weezer, o Robyn Hitchcock e até aos Killers, já tivemos toda a gente a cantar as nossas canções. É uma honra.
O TikTok tem reactivado algumas cançōes do passado. Se acontecesse convosco, qual seria a vossa escolha?
Ahh...qualquer uma.
Reconhecem a vossa influência em bandas contemporâneas?
Várias bandas já nos disseram que as influenciámos. As mais conhecidas os Killers e os Strokes, mas ouvimos isso de muitas bandas enquanto viajamos.
Historicamente, o rock está relacionado com as manifestaçōes da juventude como o excesso e a rebeldia. Considera que fazer música eléctrica na casa dos 60 é agora mais natural aos olhos do público, quando passam 55 anos sobre o Woodstock original e o punk já tem mais de 45?
Sim....praticamente toda a gente cresceu com ele.
Estão prestes a embarcar numa digressão americana com os Jesus & Mary Chain. Ambas as bandas têm álbuns novos ou recentes mas a nostalgia é inevitável. Como reage o público ao material menos conhecido?
Vai ser bom porque penso que, no caso de ambas as bandas, se mantêm fiel aos êxitos. Ter canções reconhecíveis de sucesso do passado é uma benção para qualquer banda.
Com a perda do vosso saxofonista Mark Williams, a vossa abordagem ao vivo alterou-se?
Temos imensas saudades do Mars. Ele tocou connosco até ao fim. Sabíamos que seria difícil substituir alguém com uma força tão dinâmica. Estamos um pouco mais pesados e orientados para a guitarra. O Richard Fortus dos Guns 'n' Roses, que tocou bastante connosco no passado, fez parte dos Love Spit Love e produziu connosco o Made Of Rain, juntou-se. Funciona muito bem.
O vosso primeiro concerto em Portugal foi em 1991, pouco antes do hiato. Alguma recordação dessa longínqua noite? Um espetáculo dos Psychedelic Furs era muito diferente do que é agora?
Sim, e já voltámos várias vezes. Adoramos Portugal, pessoas fantásticas, paisagens lindas e um público sempre incrível e entusiasta. Pessoalmente, estou sempre ansioso por regressar. Quanto ao espetáculo, é muito mais agressivo e enérgico do que era em 1991.
Recentemente, vi um pequeno filme no Instagram (penso que do baterista dos Smashing Pumpkins, Jimmy Chamberlin) em que ele argumentava que, especialmente os mais novos, estão a ficar cansados de percepcionar a realidade através dos telemóveis, e querem sentir a experiência física e emocional de um concerto. Depois de um período dominado pela tecnologia, é possível que estejamos a atingir um estado de maturidade entre o humano e o digital?
Sim, especialmente depois da pandemia, penso que as pessoas se aperceberam de que estar no meio de uma multidão a desfrutar de uma experiência comum é algo que não pode ser replicado ou forjado.
Nos anos 80 e 90, bandas como os Psychedelic Furs apareciam na imprensa e na televisão, faziam música e depois iam para casa. Quase ninguém sabia onde estavam ou o que pensavam sobre qualquer assunto. A arte falava por si. Foi/é desconfortável lidar com uma época em que o protagonismo é necessária para se estar artisticamente vivo?
Bem, não acho que tenha mudado muito... pelo menos para nós. Concentramo-nos essencialmente na música e nos concertos. Tentamos não nos meter em tudo. As boas bandas existirão sempre que se concentrarem na música e nos espectáculos...e perduram. A fama pela fama vai e vem.