Convidados pelo Sónar a intervir sobre a Estufa Fria, João Pedro Fonseca e Inês Carincur olharam para aquele ecossistema e interrogaram-se: “e se o sistema límbico estivesse nas plantas?”. Daí especularam uma reflexão: “porque é que o sistema limbíco só é caracterizado em espécies semelhantes à nossa questão anatómica, a nível dos orgãos?”. Na estrutura cerebral, o sistema límbico é o responsável por “organizar o sistema emocional”. Comanda o sistema nervoso e os comportamentos sociais. “Apropriamo-nos dessa expressão para colocar nas plantas e no ecossistema da Estufa Fria, para dizer o quanto aqueles seres todos também vivem com um sistema limbíco”, explica João Pedro Fonseca.
A instalação com a chancela da dupla transdisciplinar ZABRA tem “o nome de Limbic Landmarks porque são três marcos em que podemos sentir de uma maneira hipersensível e hiperaumentada tudo o que acontece naquele ecossistema”, descreve. “Foram fotografadas e filmadas várias imagens das plantas e das espécies, e transpostas para codificação em vídeo, para recriar de uma maneira ampliada todo o percurso em sensações, cores vivas e formas que uma pessoa não consegue vislumbrar a olho nu.” João Pedro Fonseca dá o exemplo da instalação de Lua Carreira. Toda a topografia das plantas foi fotografada para “levantar uma proposta, ou uma especulação de toda a actividade existente debaixo daquelas plantas através do sistema micelar, que pertence aos fungos e a todas as bases neuronais das plantas, em conjuração entre elas. Não conseguimos ver essas transferências de data a olhar à nossa velocidade. Um cão ou um gato pode manifestar reacçōes. Uma planta é mais complicado. Uma pessoa descura regar uma planta porque ela não mia ou ladra, mas o processo é gradual até repararmos que está seca e a pedir nutrientes. Tentámos hipersensibilizar uma cadeia de emoçōes neste ecossistema.”
Limbic Landmarks é uma ponderação sobre a coexistência entre o humano, o digital e o natural, como se não houvesse barreiras entre eles.
A nossa proposta passa por reformular e propor novas memórias. A ideia do ser humano enquanto entidade superior a todas as espécies é separarmo-nos da própria natureza. O que estamos a propor é um ecossistema onde tanto a tecnologia, como todas as espécies e o ser humano encontram uma comunicação simbiótica de respeito mútuo e partilha, explica Inês Carincur.
A instalação é sobre a forma como a nossa relação com o mundo natural é condicionada por marcos emocionais, assim como pela geografia física. E a partir deste reordenamento, apelar a uma democracia mais avançada para “que várias inteligências diferentes, possam comunicar e alcançar maior respeito”, continua. “Se de humanos para humanos tem sido difícil comunicar, quanto mais pensar noutras espécies. Voltando um pouco atrás, abrindo esse espectro de comunicação democrática, muito mais facilmente conseguiremos comunicar de humanos para humanos.”
Uma reconexão necessária à evolução. No processo de pesquisa e exploração “debatemos bastante com investigadores e pesquisadores sobre o antropocentrismo e há muito a ideia que se começa a desconstruir de dividir o digital como algo não-natural para lhe dar uma essência tão natural e plausível como uma rocha”, conta João Pedro Fonseca. “Uma data retirada de uma planta ou uma codificação do ser humano, como os dados biométricos, ou o telemóvel - quase uma extensão do próprio cérebro - guarda emoçōes e memórias. Todos os processos são tão naturais quanto os processos mais básicos - terra, água, ar e fogo - e essa resistência que existe de tratar a tecnologia como algo não-natural, um elemento externo quase alien que veio aqui para nos invadir e dominar, é non-sense porque partiu de nós e da natureza. É uma fusão da nossa necessidade de conhecimento, desenvolvimento intelectual e sobrevivência, que depois resulta na fusão da natureza”, argumenta.
A crença na tecnologia está na forma como não a endeusamos, ou seja que ela é parte de nós. Que nós somos natureza e que a tecnologia é natureza. “E se não formos cépticos em relação a isso, estamos mais conectados e temos mais a aprender”, defende Inês Carincur. “Levamos sempre a ciência como uma questão exacta. É quase um lápis azul. E também a tecnologia. Parece uma coisa automatizada que nunca falha. A questão é que também a tecnologia falha e carece de atenção, tal como um ser independente. Existe uma espécie de fantasma na tecnologia, com ideias a nascer da tecnologia para o mundo. Já tens fenómenos digitais que nasceram no digital”, fundamenta João Pedro Fonseca antes de concluir que ”a nossa maior potência está na tecnologia e naquilo que ela pode oferecer.”
É paradoxal que a discussão sobre o lugar do outro seja mantida pelo eu exacerbado, quase sempre a partir de um lugar de fala e não de escuta. Involuntariamente, Limbic Landmarks aborda essa problemática, de um outro ponto de vista. “Esquecemo-nos que a nossa inteligência não é a única que existe”, realça João Pedro Fonseca. “Só o sairmos à rua ou o estarmos aqui a falar, tem um ecossistema a proporcionar. Queremos sensibilizar mais as pessoas para as supostos invisibilidade que são hiper-sensíveis. O ser humano tem ideia que o visível é aquele que tem impacto”, reforça.
O debate ainda está a impor-se na agenda pública. como tantos outros num caos em que erosão e fundação operam no mesmo sistema, sem que muitas vezes o tempo de ponderação permita a sua destrinça. Talvez não ocupe o espaço devido de preocupação mas é urgente para repensar o nosso humanismo. “Nāo somos apenas feitos de carne. Temos outros ecossistemas a coabitarem connosco, por isso é sobre como pensar natureza na totalidade e pensar no outro em todos os seres mais que humanos. É uma reflexão sobre isso, sobre a nossa existência e o lugar que ocupamos na natureza”, defende Inês Carincur.
“Voltar à natureza é voltarmos a nós mesmos. A dessincronização da natureza é uma dessincronização de nós mesmos. Olhar-nos ao espelho. Todas estas questōes do limbíco quase não existem e são substituídos por um sistema automizado quase como um robô. Nós estamos mais próximos da ideia de robot que o humano está a construir do que do robot que nos vais substituir. É tudo automatizado. Aquilo que é mais importante na natureza é o tempo e espaço para nós mesmos”, termina João Pedro Fonseca.
Limbic Landmarks faz parte da programação do Sónar Lisboa e pode ser vista de sexta a domingo na Estufa Fria. A instalação pós-naturalista tem a marca da ZABRA, liderada por João Pedro Fonseca e Carincur, e a participação dos artistas residentes Lua Carreira e Filipe Baptista