Se sai um álbum dos The National, a imprensa é lesta a reagir. Justifica-se. Assim como para os Arcade Fire. Ou para qualquer projecto que envolva Thom Yorke. Sendo assim, porque é que, entre os meios generalistas e especializados em Portugal, há apenas uma apreciação a Utopia de Travis Scott? Só o Ipsilon publicou um texto assinado por Francisco Noronha.
28 de julho foi o dia com maior tráfego do ano na Apple Music e Utopia foi também o álbum mais ouvido na data de estreia no Spotify. Travis Scott é não só uma das figuras mais cintilantes do hip-hop como um dos poucos capaz de transcender um género que cresceu muito para os lados mas não necessariamente para fora. Como se não bastasse, o sucessor de Astroworld traz as mãos manchadas de sangue, depois de o rapper ter sido responsável moral pela tragédia do Astrofest 2021 em que dez pessoas morreram e 25 ficaram feridas.
Não chega? Dói assim tanto escrutinar Utopia? É por ser rap? Por a imprensa já não ter voto na matéria em fenómenos como este? Ou será porque algumas cabeças pensantes têm medo de ir a jogo com a sinceridade e gerar uma fuga de seguidores? Qualquer que seja o motivo, diz muito sobre a demissão do sentido de crítico. Ainda por cima, quando se trata de um álbum polarizador e, por isso, gerador de debate (e números) entre aqueles que não só lhe verberam a postura como detectam demasiadas "coincidências" com as linhas de produção de Kanye West, de Yeezus até Donda 2, e aqueles que nem ousam questionar a sua astronomia.
A questão não é ser-se elogioso, como Francisco Noronha no Ipsilon, ou desfavorável como, por exemplo, a Pitchfork - crítica que reflecte uma inflexão de entusiasmo para com o hip-hop colossal, já não nova mas agravada por casos como os do Astrofest. É compreender a relevância de Travis Scott e de Utopia, e tratá-lo dessa forma. Lidar com a música popular sem sofismas ou cinismos. Uma crítica bem estruturada é infinitamente mais estimulante do que uma milena de comentários no YouTube ou no X, independentemente de se concordar ou não. Mas parece que é preciso que tudo mude para ficar na mesma. Ou pior ainda.
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