Crianças. É nelas que os The Smile projectam a fé de Friend of Friend no vídeo de Paul Thomas Anderson. Elas representam o recreio, o gozo de voltar à estaca zero e até um desejo indisfarçável de regresso ao anonimato de Thom Yorke e Jonny Greenwood, os dois terços dos Radiohead. É uma memória descritiva da mecânica do grupo. No leito, há uma canção simples, um let it Beatle do eixo Lennon - McCartney, que muda de rumo a meio para crescer em tensão e complexidade até se confrontar com a estranha familiaridade dos Radiohead. Poderia fazer parte da esquizofrenia acatada de Ok Computer? Talvez.
Nem toda a gente se pode gabar de ser entendida, provavelmente para além dos seus limites, despertando novos sentidos, leituras e percepções. Os Radiohead conquistaram o direito perpétuo ao livre-arbítrio mas não abdicaram da auto-crítica e só essa contestação interna ao canto de sereia de passeios antológicos ou outras voltas de consagração legitima o desejo de recomeço de Thom Yorke, Jonny Greenwood e o baterista Tom Skinner, demasiado importante à esquadria rítmica para ser reduzido a um vértice invertido do triângulo.
Talvez a escola e o ensino representem a metáfora perfeita dos The Smile. Reiniciar o sistema seria demasiado ambicioso mas refrescá-lo está ao alcance de Wall of Eyes, um segundo álbum que já não nos toma de surpresa como A Light For Attracting Attention, mas sublinha e amplia a independência da banda face aos naturais paralelos com os Radiohead. Que manobras de diversão como Bending Hectic nem sequer refutam.
Wall of Eyes tem mais parecenças faciais com os Radiohead, em exercícios de estilo como Teleharmonic e Under Our Pillow do que A Light For Attracting Attention, em que havia uma The Smoke a dançar na corda bamba de Fela Kuti, mas ambos afirmam uma relação de interdependência em que a autonomia dos The Smile pode ser o anti-depressivo que os Radiohead precisam depois do mortiço A Moon Shaped Pool.
Haverá um Thom Yorke nos Radiohead e outro, transfigurado, nos romances extraconjugais? Os The Smile compilam amores paralelos como o kraut, o jazz e a música kosmiche, testados com sucesso em álbuns como Anima (2019) e na predecessora banda sonora de Utopia (2018). Para satélite, este planeta B tem muita vida própria. Se for uma espiação, que sirva como os Grinderman para Nick Cave. Se for uma ocupação a tempo inteiro, o recreio pode continuar. As crianças estão felizes.
XL Recordings/Popstock
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