Pode Burial continuar a alimentar o mistério? Quando já parece estar confortável na zona de desconforto, o duplex Dreamfear/Boy Sent From Above vem reacender o clarão. A charada continua por resolver. Quem é este homem e que música esta, feita de ossos de raves defuntas, reciclagens de cemitérios da Internet e cascatas de cantos r&b de sereia? A entrevista não-editada a Mark Fischer, disponível na Wire, explica bastante mas resta sempre algo de enigmático e indizível.
Que estranha forma de nostalgia é esta? Quem se esconde atrás desse ecrã? O fascínio por Burial sempre veio das perguntas. Da busca pelos factos que o livro trânsito da subjectivade não descodifica. Não vai ser Dreamfear/Sent From Above a dar respostas. A névoa continua a pairar. A cortina de fumo não permite ver além das cinzas. Do outro lado, é bem provável que se esconda alguém a sorrir das múltiplas incógnitas, colado ao telemóvel a responder mentalmente ou, quem sabe, a especular através de perfis falsos.
Parecendo difícil, continua a não ser nada fácil decifrá-lo. Porque o guião está sempre em aberto e, tal como em Twin Peaks, a resolução está em cada um. Não há respostas definitivas para tudo o que aqui acontece e neste episódio duplo faz o que sempre fez: pega em resíduos pop OLX e descaracteriza-os, como um teatro de sombras encenado num gigante aterro.
Dreamfear está dividida em três actos sem pausas. O primeiro envia uma sonda à 1992 de Everybody In The Place dos Prodigy. E dança mas de mãos bolsos. Êxtase sem diversão. Depois chega o DJ belga de EBM. A localização não se altera mas os ponteiros retrocedem. E por fim, chega a bazuca de techno mental e clínico. Sempre Burial, mas nunca o mesmo Burial.
A matemática da divisão também se aplica a Boy Sent From Above, investida sem precedentes por domínios synth pop com um sample galvanizador de Don’t Go dos Yazoo. Ao longo de treze breves minutos para tanta informação, há pausas e arranques como o golpe final de libertação física - hip house dissolvido em ginástica cerebral porque os miolos também precisam de se divertir.
Na cultura de todos os fragmentos, Burial usa-os como parte do processo. Um sujeito criativo resgatado ao objecto que molda fracçōes subculturais de excentricidade pop em aliens fascinantes. Continua a ser um mundo à parte este em que a atenção se prende a um desconhecido a reinvenção.
XL Recordings/Popstock
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