O processo de expansão em curso dos limites geográficos da música popular tem ajudado a modificar a relação com diversas culturas laterais às anglo-saxónicas. A codifcação world music, onde eram enjauladas as espécies exóticas, está em fim de estação. A livre circulaçåo de informação, a afirmação dos mercados internos, e a emancipação de mundos como o latino, em toda a sua imensidão, abriram canais a correntes e nomes num passado recente vetados a circuitos periféricos.
Que no caso de Ana Tijoux está a milhas de ser uma novata. A novidade é o regresso, uma década depois de Vengo. Longos dias têm dez anos de perdas irreversíveis e novas auroras. A vida aconteceu, isto é durante esse período a rapper chilena dedicou-se a cuidar dos dois filhos, agora com 18 e 10 anos. Chama-se por isso Vida o álbum embora seja profundamente tocado pelas cicatrizes da morte. Tania, é um tributo à irmã, morta há quatro anos. Versos como “Rompieron la puerta sin aviso, te arranaron de mí sin permiso” são explícitos quanto ao sentimento de perda no íntimo pessoal, mas duplicam o sentido nas guerras deflagradas.
A poesia está para além do luto e celebra entretanto e sobretudo a vida de dentro para fora. Enquanto faz da autobiografia um manual de sobrevivência, recentra-se para compreender um atlas em rotaçåo constante. Ana Tijoux questiona expectativas exteriores, critica o materialismo, aponta à poluição, choca de frente com o mundo ao redor. E ainda assim, cai de pé na efervescência de Millionaria, no safari de Bailando Sola Aquí ou nos aguaceiros latino-americanos que provam a existência de Vida para além do reggaeton quadrado. Os 50 anos do hip-hop merecem uma homenagem em Tú Sae, em nome da unidade de um movimento representado por ela, Plug 1 dos De La Soul e Talib Kweli.
É um álbum de itineração interior no rastreio das perguntas. A resolução está fora de si, no vigor rítmico batalhador e incansável. Funk, disco, cumbia e trap são as balas sobre a multidão. Responsabilidade dividida com o produtor e cúmplice habitual Andrés Celis, um músico de jazz que faz do mantra da liberdade uma filosofia de Vida. Na derradeira Fin de Mundo, a consciência de Ana Tijoux profetiza sobre o fim da história: “Si se viene el fin del mundo/Bailemos desnudos juntos. Uma queda que não verga a espinha. Se for para ir ao chåo, que seja na roda. Porque combater e dançar podem ser um só movimento.
Vida está disponível nas plataformas digitais e no Bandcamp