Kendrick Lamar encabeçou o Primavera Sound portuense em 2014 e 2022. Post Malone encheu o Sudoeste em 2019 e o Rock In Rio em 2022 com um microfone e uma pen transportada de jacto privado. Taylor Swift era cabeça de cartaz do NOS Alive em 2020, no mesmo festival onde deveriam ter actuado Lamar e Billie Eilish se o vírus não se tivesse espalhado.
Os Swifties só puderam sincopar no ano passado no Estádio da Luz - a estreia em Portugal da guardiã do cofre da canção americana. Em 2025, a Grand National Tour junta Kendrick Lamar e SZA no Estádio do Restelo a 27 de julho. A 14 de setembro, quando o mercúrio da época balnear descer, “a maior digressão internacional de sempre” de um Post Malone cada vez mais electrificado pela cultura acústica do country e eléctrica do rock pousa no estádio do Belenenses, a 700 metros do escritório da Everything Is New. Ninguém se pode espantar se uma futura digressão de Billie Eilish rume a um estádio. E como estes há Beyoncé, Bad Bunny, Drake, Bruno Mars, The Weeknd, Oasis…
Será o regresso da era concertos de estádio como nos anos 90? Entre 1989 e 1995, David Bowie, Depeche Mode, Cure, Prince, Michael Jackson, Guns N’Roses, Metallica, Santana, Sting, Bon Jovi, Pink Floyd, Genesis, Dire Straits, Tina Turner, Whitney Houston, Bryan Adams, Joe Cocker e os GNR sentiram o cheiro da relva de Alvalade. Comparar factos semelhantes em tempos diferentes é terreno lamacento mas a coincidência temporal dos concertos em nome próprio de Lamar e Post Malone, antecedidos por outros de Taylor Swift, Ed Sheeran ou Coldplay, não é acaso.
Todos eles têm cadastro em festivais. Os Coldplay, como os conhecemos, no Alive em 2012, e Ed Sheeran no Rock In Rio, na Bela Vista, em 2014, e no Parque Tejo, em 2024, já saltaram o muro das produçōes próprias. Tal como The Weeknd. É uma questão de lógica matemática: têm públicos maiores do que os grandes festivais, garantem o controlo criativo do espectáculo, sem depender de horários, concorrência de palcos e outros factores de dispersão da atenção, e, em tese, a receita de bilheteira é muito superior porque apesar de os custos de produção subirem, o retorno é incomparável. Quem conhece estes meandros, sabe que o quinhão dos promotor local, reduzido a um papel de anfitrião, costuma ser bem menor do que se imagina.
Vantagens das grandes produçōes em nome próprio face aos festivais
Controlo criativo do espectáculo
Atenção centrada do público
Maior rentabilidade
Bye-bye festivais, pois, dizem os nomes das letras garrafais. Já foi tempo, agora não precisam. E isso diz-nos que depois de um período em que a fragmentação foi a palavra-chave para compreender o avanço de novas frentes na cultura pop, suspeitando-se que a centralidade das décadas de 80 e 90 se tivesse diluído numa escolha múltipla de canais de acesso e, por causa disso, num shuffle de muita música ouvida poucas vezes, os anos mais recentes não invertem a desagregação, mas mostram que há uma tendência de hipernormalização insuspeita até há pouco tempo. Mais drástica do que no tempo do vinil e do CD porque em vez de um prato para toda a família, e de um CD para cada dois anos, diariamente há cem mil novas cançōes a ser carregadas no Spotify.
O verão europeu de festivais em 2025 já o reflecte. As segundas linhas avançam para o cimo. Os grandes catalisadores escasseiam. E mesmo personagens Olivia Rodrigo preparam-se para saltar de trampolim para a outra dimensão. Sem surpresa, as vendas não reflectem o frenesim de anos anteriores. E se cartazes como o de Paredes de Coura parecem ter um punhado de nomes bem recheados, com força para formar um festival sólido, já o Primavera Sound, o Alive e sobretudo o Kalorama, não apresentam os trunfos de anos anteriores. O sonho molhado do Primavera Sound com Taylor Swift e Billie Eilish soa agora a uma divagação, mas pode e deve levar estas organizaçōes a uma pergunta: devem correr atrás da algoritmificação ou posicionar-se para além dela?
Podem os festivais médios e especializados beneficiar com esta mais que provável quebra dos maiores (e o fim definitivo ou pausa por tempo indeterminado de alguns?) Provavelmente sim, sobretudo se conseguirem tirar partido de uma boa curadoria e de um posicionamento adversativo da indústria dos grandes festivais, onde os gigantes das telecomunicaçōes, as maiores empresas de bebidas e outros agentes influentes do meio empresarial pressionam para ver a música reduzida a uma parangona. Pode a música portuguesa que esgota MEO Arenas, Campo Pequenos e Coliseus subir degraus nos festivais e derrubar o complexo costumeiro de inferioridade dos programadores? O Brasil e a América Latina podem forçar o derrube da muralha anglo-saxónica? A entrada da Live Nation em Portugal tem algumas respostas para dar.