Patti Smith e Stephan Crasneanscki (Soundwalk Collective) na apresentação de Evidence
Patti Smith conheceu Stephan Crasneanscki num voo entre Paris e Nova Iorque. Chamou-lhe a atenção a leitura do passageiro do lado. Uma obra de poemas de “alguém que conheci”: Christa Päffgen, mais conhecida por Nico. O mentor do Soundwalk Collective preparava Killer Road: A Tribute To Nico, editado em 2016. “Quem vai ler esses poemas"?”, interrogou Patti Smith. “Ainda não sei”, respondeu o designer sonoro. “Eu leio”. E queridos estranhos ficaram. Em viagem.
Entre 2017 e 2021, Stephan Crasneanscki e Patti Smith emparelharam na criação de Perfect Vision, um tríptico de álbuns inspirados na obra de três poetas icónicos: Antonin Artaud, Arthur Rimbaud e René Daumal. Movidos por uma urgência comum de partida e transcendência de si mesmos, cada um encontrou o seu destino. Artaud na serra Tarahumara, no México, Rimbaud no planalto abissínio da Etiópia e Daumal no topo dos Himalaias, na Índia. Viagens metafísicas reimaginadas em Evidence: Soundwalk Collective & Patti Smith, a exposição hoje inaugurada e que estará no Centro Cultural de Belém até 15 de setembro. A primeira escala depois de quatro meses no Centro Georges Pompidou, em Paris.
Cada paisagem guarda memórias adormecidas. Cheiros, sons, objectos e perspectivas reconfiguradas pela subjectividade de cada um. Num dos pensamentos introdutórios da exposição, Patti Smith compara os poemas a uma montanha. “É o nosso material. Eu poderia ler os poemas ou pedir a alguém que os lesse em francês e aí, perfeito. Mas não haveria reverberação nem eco”. A trajectória de Evidence contém pistas geográficas mas parte do livre arbítrio. A viagem enquanto moldura de descoberta, hipótese e debate.
Patti Smith está sentada a desenhar sobre a secretária um dia pertencente a Cesariny, após a conferência de imprensa. Seria também ele um querido estranho do itinerário? “Foi uma oferta”, responde Crasneanscki sobre o significado na exposição. “É fácil de transportar. Faz parte da representação de viagemn”, repara. “Quis logo ficar com ela”, brinca Patti Smith. "Podes sentir o poeta lá sentado, vê-lo depois a arrumar tudo e a seguir para outra viagem”. Evidence: Soundwalk Collective & Patti Smith é apresentada não apenas como extensão, mas como uma reformulação na relação com os sons e materiais.
Patti Smith invoca uma questão proverbial levantada por Daumal para sintetizar a viagem. “What do you seek?”, devolve quando a interrogam sobre a imersão. “Cada um pode decidir por si o que quer com esta exposição”, responde. “Todas estas coisas funcionam juntas para dar uma ideia das viagens destes três escritores, das viagens do Stephan e das minhas viagens mentais, ao ouvir as gravações que ele fez e olhar e sentir estes materiais. Tocar uma montanha que nunca vou ver, mas pude sentir", explica. “O processo é sempre uma incógnita”, acrescenta o músico. “Para nós, o processo é muito importante. Sempre que nos movemos criamos o nosso escape sonoro. Esquecemo-nos de tudo e vamos”, defende, realçando por isso, não se tratar de “uma viagem nostálgica”.
A geografia de Evidence: Soundwalk Collective & Patti Smith é uma bússola de sons e materiais sem fronteiras a interceptá-los. Mais de 500 fragmentos de som foram captados. Além dos sons ambiente, ouvem-se vozes de Abel Ferrara, Werner Herzog, Brian Eno, Philip Glass e Anoushka Shankar. Em duas das paredes, são projetados filmes e imagens abstratas captadas nas viagens. Na parede central, uma espécie de mural da pesquisa, pensada pelos dois no chão do estúdio de Stephan Crasneanscki, em Nova Iorque, e na qual o cofundador do Soundwalk Collective e Patti Smith colocaram poemas, desenhos, fotografias, objetos e documentos. Ali estão "meses, anos de material" a fixar "alguma da beleza e do caos” daqueles poetas. “A viagem de cinco pessoas”, descreve, juntando assim o seu trabalho e o do músico.
Just kids? Patti Smith, sabemo-lo, não perdeu o entusiasmo adolescente. “Já aqui dei concertos, andei pelas ruas, admirei os candeeiros, os azulejos e já me sentei na mesa de café de Pessoa”, regozija. Trauteia a Lisboa Antiga, de Amália Rodrigues, que o pai adorava ouvir. “Um dia, tenho de ir a Lisboa”, dizia-lhe.
Evidence: Soundwalk Collective & Patti Smith é inaugurada este sábado, dia em que o Soundwalk Collective e Patti Smith sobem ao palco do Grande Auditório pelas 19h00. O concerto está integrado no Belém Soundcheck. Amanhã é a vez do Theatro Circo, em Braga.